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awww :)
"Mudar de Vida
Na casa onde ele vive não há computador, nem televisão ou aquecimento
elétrico. Em contrapartida, há papel de carta, canetas, uma lareira.
A casa está plantada sobre uma ravina, entre outras, caiadas de branco,
e tem um pequeno terraço onde ele vai acabar o dia a apreciar o Sol a
pôr-se atrás do mar, enquanto fuma um cigarro sem pressa. À noite,
acende a lareira, se for Inverno e fizer aquele frio húmido da nortada,
capaz de enregelar um homem até aos ossos. E escreve-lhe sempre uma
carta a dar-lhe conta das incidências da vida, dos seus pensamentos.
No seu apartamento, na cidade, ela desliga a televisão depois do jantar, põe um cd a tocar, lê a carta dele e responde-lhe.
Em tempos, ele também viveu na cidade. Trabalhava numa grande empresa e
alimentava-se da adrenalina do quotidiano. Era frenético, a fazer
contactos, a transbordar de entusiasmo, a convencer clientes, a correr
atrás de resultados, apostado em ser o melhor. Era só ele, a agitação do
trabalho, a vida boémia pela noite fora, muitos cafés pela manhã,
almoços com clientes, reuniões sem fim, jantares tardios. Mas, de
repente, tinha quarenta anos e a sensação de que a vida, a verdadeira
vida, passara por ele. Largou tudo, partiu.
Agora vive nesta
vila caiada de branco sobre o mar e ocupa-se da sua loja de artigos
desportivos. Deitou fora os fatos, as gravatas, vai à praia à hora de
almoço com uma prancha de surf.
Conheceu-o quando entrou por
acaso na loja, num fim-de-semana comprido que a trouxe à vila com duas
amigas, no início do Verão passado. Teve uma aula de surf com ele,
jantaram no restaurante da praia, trocaram endereços com a promessa de
se escreverem em breve. Ele cumpriu a promessa, ela respondeu-lhe e
nunca mais pararam.
Ela regressou à vila com um saco no carro,
preparada para passar três dias em casa dele. Aceitou o seu convite,
embora pensasse que era um erro. Na verdade, conhecia-o mal e não estava
certa de que fosse boa ideia aprofundar a relação, pois teria de partir
novamente e moravam longe um do outro.
Mas os três dias
transformam-se em seis meses e, não obstante ter-lhe dito em todas as
cartas que nunca deixaria a cidade, acabou por largar o emprego e vender
o apartamento. Agora vive com ele, ajuda-o na loja e pretende voltar a
fazer surf depois de o bebé nascer. Ainda lhe parece difícil acreditar
que fez tudo ao contrário do que pretendia, que deixou tudo por ele, mas
está feliz e aprendeu que, afinal, não havia nada suficientemente
importante para a impedir de mudar de vida, para melhor. "
Por: Tiago Rebelo
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