domingo, 5 de janeiro de 2025

O final da história

Dei inicio a este blog há 16 anos atrás. Era um espaço de partilha de aventuras, de quem pelo segundo ano consecutivo estava longe e desterrada e precisava de uma forma de se expressar. Rapidamente o diário de aventuras se misturou com um diário pessoal e poucos não foram os posts introspetivos sobre o que me ía na alma. A maioria de tom melancólico e triste, de quem não está verdadeiramente bem com vida, mas ainda assim expressa sorrisos por onde quer que passe. Um dos temas centrais deste blog foi sem dúvida o L. Paixão arrebatadora da faculdade, alguém para o qual olhamos com admiração extrema e nos sentimos imensamente gratos de nos dar atenção, sem nunca conseguirmos reconher que talvez ele também fosse sortudo de nos ter na sua vida. E assim foram 14 de relacionamento, com alguns altos e acima de tudo baixos. 22 de Dezembro de 2009 a 30 de Julho de 2023. May you rest in peace...! Nesta nova viragem de ano (bem vindo 2025!) sinto no entanto necessidade de vir aqui recapitular a minha antiga vida para poder finalmente deixa-la para trás, uma espécie de cronograma da insanidade que foi a minha vida desde que nos envolvemos para finalmente aceitar de que, não, a nossa relação não era normal, mas sim muito disfuncional. E que sim, eu demorei a conseguir ver isso, aceitar, e decidir fazer algo em relação a isso, mas terminar e seguir a minha vida era a coisa que fazia mais sentido há muito tempo. E que não, não devo sentir-me culpada por isso.  

2006 - Entrei na faculdade em Aveiro. Tudo era novo e assustador, mas ao mesmo tempo, pela primeira vez na vida estava rodeada de pessoas com os mesmos interesses que eu. 

2007 - Primeiras saídas de campo! Workshop de recuperação de fauna em Gouveia (onde conheci e me encantei com o L.) e mega aventura na Faia Brava no verão, onde fiquei acampada com algumas amigas durante 2 semanas. 

2008 - Ano de disciplinas opcionais, muitas saídas de campo e várias aulas em conjunto com o L. O coração palpitava, mas achava que estavas a milhas de algum dia alguém como ele olhar para mim. O síndrome do patinho feio iria arrastar-se durante vários e longos anos. 

2008/09 - Brasil!! Que aventura...! Saudades das pessoas e dos animais!! O L. desapareceu da minha mente, o coração deixou-se levar por outro L., mas que obviamente, tinha de ser um caso impossível. O rapaz tinha namorada e embora desse muitos sinais de estar interessado em mim, a minha conduta moral e medo de estar numa relação destinada a terminar (com o meu regresso a Portugal), recalcou mais uma vez qualquer envolvimento. Duas semanas antes do meu regresso a Portugal, eu e o C. temos uma curte, que até hoje não entendo. Foi o meu primeiro beijo (aos 21 anos meus senhores), e tivemos um dia mágico na baixa de Manaus, mas nem eu estava apaixonada por ele, nem sei ao certo o que ele viu em mim (para além de uma tímida portuguesa de pele clara e olhos castanhos), e nem se quer foi comigo ao aeroporto. Seja como for, o Brasil conseguiu desbloquear alguma da minha auto-estima, pois pela primeira vez na vida, foram várias as pessoas que me declararam o seu amor (ou whatever :P ). Passei também por uma das experiências mais estranhas e de certa forma traumáticas da minha vida. Um dos professores atirou-se a mim de forma insistente e tentou convencer-me como era normal que um homem de 40 anos se envolvesse com uma estudante com metade da sua idade, e de como isso era positivo para ela e para os pais, pois poderia dar-lhe uma vida??? WTF Caldas??? Felizmente nunca tive dificuldade em dizer que não, apesar da pressão externa, e como tal, daqui não levou nada a não ser um "nem pensar". Olhando para trás, deveria ter reportado a situação à faculdade, mas como muitos "me too", calei-me caladinha e nunca falei disto a ninguém... Regressada a Portugal, retomei contacto com o L. Começamos a conversar no messenger e nunca mais parámos. Descobri como ele se tinha apaixonado por uma colega mais velha, como nunca conseguiu dizer-lhe que gostava dela, e de como ela estava a milhas de imaginar, saltava de relacionamento em relacionamento, e como isso o magoava. Durante meses servi de amiga conselheira, que ouve e motiva. Que está lá todos os dias para desejar um bom dia e saber das aventuras. 

2009/2010 - Carta de condução e estágio na Faia Brava. Que ano! Muitas aprendizagens, emoções e frustrações! O estágio veio com muitos desafios, nunca tinha tido qualquer interesse em aves e de repente tinha que fazer censos de passeriformes semanalmente, sabendo não só reconhecer as aves como os seus cantos. As dúvidas eram muitas e eu nem um guia tinha. A ajuda do L. foi preciosa. Em Dezembro de 2009, antes do natal, a pretexto de me emprestar um guia e participar numas sessões de anilhagem para aprender um pouco mais, passei 3 dias em casa dos seus pais (onde ele vivia). O que eu ansiava acabou por acontecer... E se os meses seguintes deveriam ter sido um abre olhos para os anos que se seguiriam, estava demasiado nas nuvens para conseguir ver com clareza. Nos dois meses seguintes, continuamos a conversar diariamente, sem nos vermos, mas com planos para ele me visitar em Fevereiro. Vários planos feitos e desfeitos, ele lá apareceu uns 2 ou 3 dias para estar comigo. Daí até Maio, mais planos feitos e desfeitos, tentativas desesperadas minhas de estar com ele, mensagens a declarar o meu amor, sem grande feedback, tentativas de nos vermos com mais frequência sem sucesso, solução oferecida para o meu sofrimento? Terminarmos claro, assim já não estamos juntos e eu não sofro, right? Porque ele claramente não tinha tempo (nem desculpa esfarrapada para os pais) para vir ter comigo nos tempos livres. E lá me aguentei... Em Maio, visita do L. com a faculdade. Após meses sem nos vermos, nem um abraço, nem um beijo, era como se não tivéssemos nada, nem conversássemos todos os dias. Ele não queria que se soubesse??? Os meus colegas de estágio holandeses estavam em choque. Podia ter ficado lá em casa a dormir comigo, mas não. Manteve a persona, quase não passou tempo comigo e foi dormir com os colegas, não sei bem onde. E pensar que não fui ao funeral do meu avô em parte por isto... Seguiram-se mais uns meses do mesmo, eu a sofrer, ele a dizer que não podia fazer nada, em que ele me pedia as boas noites, mas não as dava de volta. Final de Julho, fim do meu estágio na Faia Brava, acompanhado de um campo de trabalho no qual fui monitora. Pessoas novas, uma delas bem especial. Encantou-se comigo e não me largou. Eu achei-lhe piada, mas gostava do L., e ele era mais velho e tinha namorada. Não fazia sentido. Mas ele não desistiu, e aquelas duas semanas mais pareceram meses, e eu resisti, mas ele era carinhoso e dizia que estava apaixonado por mim, e ia deixar a namorada, e que o L. não gostava de mim ou não me trataria assim, e eu estava carente, e ele continuou a insistir. E pela primeira vez na vida deixei de lutar e simplesmente deixei-me ir... estava tão cansada de ser recusada. Foram momentos especiais, mas a minha mente corria para o L. sempre que ele me beijava e de como gostaria que fosse ele ali, e depois de nos despedirmos não consegui continuar. Ele não desistiu, terminou com a namorada, e continuou a insistir durante uns meses para estarmos juntos. Falávamos todos os dias. Mas eu era (sou?) teimosa. Contei tudo ao L., pedi-lhe perdão, pedi-lhe que me aceitasse de volta, e ele aceitou, mas ficou tudo na mesma. Ele longe, sem disponibilidade para estar comigo, e eu em sofrimento sem saber o que fazer à minha vida. Gostava de ressaltar aqui, que tanto num caso, como no outro, a nossa intimidade não passou de uns beijinhos e uns amassos... nem se quer houve/havia s***. Se é que isso faz alguma diferença...?

2010/11 - Mais uma mudança! Mestrado no CIBIO, viver na Póvoa com amiga da faculdade. À exceção das aulas, tudo corria mal. Eu triste e frustrada com a minha relação, saturada da vivencia na cidade, autocarros, metros, pessoas o dia inteiro, aproveitando a paz do mar no final do dia tanto quanto possível. Viagens frequentes à Faia Brava neste ano e nos seguintes, sempre que possível. No inicio do ano o L. decidiu terminar tudo. Porquê? Nunca percebi, mas pelos vistos era melhor assim. E assim o meu mundo ruiu, as minhas duvidas sobre o quanto ele gostava ou deixava de gostar de repente caíram, mas eu não estava pronta para o deixar ir. Outros tentaram tomar o seu lugar, mas o meu coração era dele, e quanto a isso não havia nada que eu pudesse fazer. Tentei negar, tentei seguir em frente, mas não consegui. Chateei-me com a minha colega de casa e em Abril fui viver para o Porto. Quarto minúsculo, mas com tudo o que precisava. Meses on my own, muita introspeção, mas sempre em contacto com o L.. Porque sim, terminámos mas continuámos a conversar diariamente, mantendo-me na expectativa e esperança que tudo vai resultar. E como voltarei a fazer vezes sem conta no futuro, continuo a convidar o L. e a inclui-lo na minha vida. E assim em Maio ele é incluído na minha viagem de tese de mestrado a Marrocos, para "ajudar na captura das aves". O meu coração ferido na esperança que ele me queira de volta. E ele lá cedeu novamente. E voltamos secretamente um para o outro nessa viagem, mas como anteriormente, nada mudou. Ausência e indiferença, o L. opta por fazer um doutoramento em Coimbra, sem se quer me consultar ou discutir opções, mantendo assim a distância por mais 4 anos. Vem ter comigo ao Porto uns 3 dias em Julho para participarmos num curso de identificação acústica de morcegos. Conheço o F. e com ele entro no fantástico mundo dos morcegos :) mal sonhava que iria mudar a minha vida! Em Setembro fui pela primeira vez ajudar nas captura de morcego-rabudo e daí para a frente ficou o bichinho dos Tadarida e do Sabor!  

2011/2012 - Tese de mestrado!! Dias e dias afins enfiada no lab a fazer extrações, amplificações e sequenciação de DNA. Algumas saídas de campo com o L. para apanhar bichos para a tese. Em Maio, introdução ao mundo das empresas com censos para um parque eólico e Junho saída de campo para nova captura de Tadaridas, ainda sem vacinação da raiva, mas no processo de tal! Julho, Agosto e Setembro enfiada em casa, num processo interminável de escrita da tese! Outubro, nova saída de Tadaridas desta vez já com vacina e pronta a mexer nos bitchos!! :D Dezembro, defesa da tese!! Encontros casuais com o L, raramente com sleep-overs.  

2013 - De volta ao lab, para uma prestação de serviços e processar amostras em falta ao dataset do mestrado. Em Janeiro visita a abrigos de hibernação de morcegos, com direito a neve e tudo! Em Fevereiro, L. decide terminar tudo novamente... aparentemente a nossa situação não ía melhorar anytime soon e assim era melhor. E senti alívio, mas embora tenha tentado, também não consegui seguir em frente. As before, continuamos a conversar de forma regular, o que como é óbvio não ajudou. Em Março recebo proposta para começar a trabalhar efetivamente com morcegos! De Abril a Outubro estaria full-time no Sabor a apanhar morcegos. Felicidade!! Em Maio voltei a Marrocos, desta vez sem o L., mas com alguns compinchas dele de anilhagem. Estava determinada que não iríamos voltar e que se por um milagre isso acontecesse, as coisas teriam de mudar. Não estava disposta a sofrer como até então. O tempo foi divido entre o Sabor e Vila do Conde, com sessões regulares de anilhagem no PBG. Estava em paz e a sarar, aos poucos, mas sem esquecer o L. Em Setembro houve sessão de anilhagem em Barca de Alva com o grupo do PQT e afins. Fui, sabendo o risco que corria, mas estava pronta a mostrar que tinha seguido em frente. Só que não... Chegando lá, pronta para montar a minha tenda, recebo a proposta de partilhar tenda, porque a do L. é grande e tem espaço e dá menos trabalho. E sabendo que ía dar asneira, aceitei na mesma. Porque há pessoas que nunca aprendem... As promessas que tudo iria mudar foram-se e tudo seguiu igual. O trabalho com os morcegos continuou de vento em poupa, agora com a pressão de uma candidatura a doutoramento. Em casa, partilhada com colega do CIBIO, surgiam perguntas de porquê nunca estar com o L. O namorado dela trabalhava fora do país e viam-se com mais frequência do que nós. No trabalho, poucos (ninguém, só o F.) sabia que tinha alguém.  

2014 - Novo ano, novos desafios. Desenvolvimento de primeiros protocolos de metabarcoding para o estudo da dieta dos rabudinhos, entrevista a doutoramento, e novas monitorizações de inverno. Fevereiro foi também o nascimento de uma paixoneta platónica com o H. A conversa com L. sobre como as coisas tinham que mudar nunca ocorreu, mas eu seguramente mudei. Embora tivéssemos voltado, a minha expectativa era 0, o entusiasmo era 0, e estava determinada em não sofrer mais. O H. escrevia-me com frequência, trocávamos emails animados sobre história, super heróis, e o sentido da vida. Eu, patinho-feio, achava que ele era só um tipo simpático que nunca estaria interessado sentimentalmente por mim e que falava comigo como quem fala com uma amiga. O H. era mais velho e a sua experiência de vida também me intimidava. Talvez por isso tenha demorado demasiado tempo a aceitar que tínhamos algo que uma mera amizade. Final de Março, viajo para a Noruega para aprender a analisar os dados de metabarcoding. O H. despede-se com carinho, fica mais claro para mim que ali há gato, e regresso com a expectativa de terminar com o L. por já não fazer sentido e ter sentimentos por outra pessoa. Ao voltar, amigas marcam jantar surpresa de aniversário (atrasado) e convidam o L., que contra todas as expectativas, lá aparece. Sim, porque ele tinha pequenos trabalhos no Porto, mas nunca vinha passar a noite comigo, ou dizer olá. E desta vez, talvez pela pressão social, apareceu. O H. foi apanhado de surpresa e afastou-se. Eu fiquei na mesma, assumi que o clima que existia era imaginação minha e afinal não havia mesmo nada (mais tarde ele lá me contou que afinal havia), e a vida seguiu igual, com o L. na sua vida e eu na minha, num relacionamento em que nos víamos quando eu ía a casa e parava em Coimbra para trocar de autocarro. Viagem incrível à Croácia, para o meu primeiro European Bat Research Symposium!  

2015/16 - Inicio de doutoramento. Muitas aulas, trabalho de laboratório e algum campo. Janeiro de 2016 o L. defendeu o doutoramento. Vou assistir e os amigos dele "descaem-se" em frente aos pais dele (na realidade assumiram que eles sabiam pois não faziam ideia que fosse segredo) que eu não sou simplesmente amiga, mas sim namorada de longa data. Pais apanhados de surpresa, mas rapidamente me aceitam e acarinham na família. E se com o terminar do doutoramento do L. eu tinha esperança que ele finalmente viesse para perto de mim, rapidamente essas esperanças se foram. L. aceita bolsa em São Jacinto e assim vai mais um ano de distância, com as minha visitas ocasionais, mas nunca o inverso... Vão-me valendo as amizades do trabalho, que preenchem os meus dias e me fazem esquecer deste relacionamento do qual não me consigo desligar e só me traz sofrimento. Viagem fantástica a África do Sul para o meu primeiro International Bat Research Conference. Primeira vez a ver girafas, leões, rinocerontes e elefantes! Nem tudo é mau :)  

2017 - Pos-doutoramento de tempos livres, inicio do projeto do Tua com instalação de caixas abrigo para morcegos, monitorização da dieta e amostragem de invertebrados. Primeira aluna de mestrado verdadeiramente orientada por mim. Mexo novamente os meus cordelinhos e asseguro que L. fica como assistente de campo externo no projeto. Talvez trabalhando no CIBIO, consigamos finalmente acertar o passo e ter uma relação normal. Trabalho de campo fantástico a marcar Tadaridas com GPS em Agosto depois um incrível EBRS no País Basco.  

2018 - Abertura de bolsa pos-doutoramento no CIBIO para o L. Ficou oficialmente no projeto e a trabalhar no CIBIO. "Muda-se" oficialmente para o norte e vem "viver" comigo. É preciso explicar aqui, que isto significa que depois de passar duas semanas no Tua, vinha com o seu saco de roupa para minha casa, dormia cá, ía alguns dias para o CIBIO, e depois seguia para Coimbra, pois a sua estação de anilhagem em Coimbra obrigava-o a lá estar 1x a cada 15 dias. Estação essa que se mantém até hoje. (Engraçado como para manter uma estação de anilhagem ele fazia e faz viagens Porto-Coimbra 2x por mês, mas não era capaz de vir ao Porto 1x por mês para estar comigo. Prioridades). Por vezes lavava cá roupa, outras vezes levava para casa para a mãe lavar. Quando saía, não havia qualquer vestígio de habitar esta casa. Havia uma porta no armário para ele e algumas gavetas. Na sua maioria encontravam-se vazias. Embora agora vivêssemos juntos, sentia-me uma p*** à qual ele vinha e f*** quando queria e voltava a desaparecer. Não fazíamos nada juntos, nem mesmo ver tv...  quando víamos filmes ele adormecia. As nossas conversas eram de trabalho.

2019 - Ano final da minha tese. L. ganha um contrato da FCT e fica definitivamente no CIBIO nos próximos 6 anos. Viver com ele não era o mar de rosas que eu imaginava, mesmo que a tempo inteiro. A nossa vida era trabalho, trabalho e trabalho, e de vez em quando era convocada para eventos familiares, casamentos e batizados. Este ano foi crítico, havia pequenas coisas que não estavam a correr bem para mim na vida a dois, mas ou eu as enfrentava, com todas as consequências disso, ou me focava em terminar a tese de doutoramento. Roupa estendida dos dois em que só a dele é que é apanhada, limpeza da casa que calha sempre à mesma, hábitos distintos de higiene (ou falta dela), noites sem dormir por excesso de ruído sonoro, falta de apoio emocional. E vários anos de ressentimentos recalcados que agora não tinha força nem vontade de resolver. Ele não teve tempo para mim até bem depois de terminar o doutoramento dele, no qual eu o ajudei como pude, revi todos os artigos, textos e afins, mas eu tinha que ter tempo para o meu doutoramento, para todos os projetos paralelos e para as coisas dele. Também não me vou esquecer como num dos momentos mais críticos desta fase complicada tive que o ouvir dizer que não ía conseguir concluir a tese a tempo. Felizmente outras pessoas acreditaram em mim e ajudaram-me a mexer. Apesar de ter sido um ano difícil, 2019 foi também o ano em que visitei pela primeira vez a Tailândia para o meu segundo IBRC.  

2020 - Defesa da tese a 13 de Fevereiro, seguida de 2 semanas de preparação de uma candidatura à FCT para um contrato. Logo de seguida, COVID. Tudo trancado em casa meses a fio. A nossa relação estava "bem"... os problemas foram sendo recalcados e eu fui-me anulando. Focada no trabalho, submeti candidatura à British Ecological Society para estudar aprofundadamente a dieta dos Tadarida e continuei a trabalhar nos artigos pendentes. Não era feliz, mas não era infeliz. Ou não sabia. Tudo era meh. Começamos a ver casas, com o salário dos dois não deve ser difícil pensei, melhor que pagar renda. Perdi a conta ao número de casas que vimos. Podiam ser perfeitas que a resposta era sempre um hmmm não sei. Acima de tudo 0 interesse em ficar com divida no banco. As despesas da renda e contas eram partilhadas pelos dois, mas continuávamos sem falar no futuro ou em sonhos. Noites de amostragem acústica de morcegos na Serra de Arga, ajudavam a aliviar a tensão e a fazer crer que era possível. Continuava a ser feliz nos momentos de aventura. 

2021 - Prolongação do COVID. Trabalho essencialmente a partir de casa. Inicio do meu contrato FCT. Já não conseguia ver o L. com os seus boxers manchados de outras núpcias, deitado na cama e com o computador ao colo, mas mentalizei-me que esta era a "vida de casados". Sigo em piloto automático, 100% focada no trabalho e em publicar, publicar, publicar, orientar alunos, colaborações, colaborações, colaborações. Trabalho de campo para o Livro Vermelho dos Vertebrados. Muitas noites a apanhar poucos morcegos e a colocar audiomoths com o L. Lá nisso nós funcionávamos bem... Outubro, ida ao Panamá com a Dina. Condições fantásticas de investigação e fauna espetacular. Dezembro, ida exploratória a São Tomé e Príncipe. Ilha incrível e com muitos desafios. Alunos que vão dar dores de cabeça xD 

2022 - Regresso a São Tomé e Príncipe em Maio. Amostragem de invertebrados em Montesinho em Junho. Trabalho, trabalho, trabalho, muito perto de um burn-out. Promessa de slow-down a mim própria xD Mais do mesmo com o L. Vida amorosa pretty much dead, avanços amorosos dele evitados ao ponto de já não existirem, cada um na sua vida a dormir sob o mesmo teto e a trabalhar em equipa. Férias em Junho com a minha mãe no Gerês. Trabalho, trabalho, trabalho.  

2023 - Regresso a São Tomé em Janeiro. Viagem à Tailândia com o L. em Fevereiro a convite de uma estudante. A maioria das noites adormeço sozinha, enquanto ele freneticamente carrega fotografias para o iNaturalist. O que inicialmente começou como um passatempo durante o covid, para tornar as saídas de casa mais desafiantes, rapidamente se tornou uma obsessão na qual nem há espaço para mim. A viagem potencialmente romântica que tinha imaginado não acontece, e somos dois amigos/colegas a visitar um país. Havia mais entusiasmo a viajar com o meu amigo e colega F. do que com o meu próprio namorado. O que é que eu fiz à minha vida?!? Mesmo assim, em Março encontramos uma casa decente a preço aceitável e decidimos (por exaustão?) avançar. T2+1 em muito bom estado, com sala grande, cozinha razoável e lavandaria, garagem decente, 145 mil euros. Não precisaria de obras, mas para mim precisava no mínimo de uma pintura, e quiçá um soalho flutuante na sala, que o chão era de granito gélido. Downside? Só estaria disponível em Setembro, mas dada a nossa atarefada vida, também não teríamos tempo de nos mudar antes disso. Curso de metabarcoding em Março. Viagens a Foz Coa, Serra da Estrela e Roma em Abril. Férias em Maio com a minha mãe em Sesimbra. Qualquer tentativa de discussão sobre a casa, que obras iríamos fazer, ou que mobília iríamos comprar terminava com um ainda falta muito tempo e não temos dinheiro para gastar. Nem com a minha própria cama tive direito a sonhar e rapidamente o assunto da casa se tornou um assunto para me entristecer em vez de motivo para sonhar. Em segredo construí em vão um modelo 3D do apartamento e tentei planear a organização do espaço. Mãe preocupada com a minha falta de entusiasmo com o suposto feliz acontecimento, embora não soubesse da missa nem a metade. L. nunca conheceu a minha família, à exceção de mãe e irmão. Mesmo assim só consegui leva-lo lá a casa porque ele queria ir apanhar isópodes na zona Oeste e ainda conseguiu amuar porque estava a chover e não dava para sair de casa. Reuniões COST em Junho, seguidas de ida à Estrela para apanhar morcegos. E o que parecia mais uma semana normalíssima na minha atarefada vida, virou o meu mundo do avesso :) Conheci o D. E é engraçado como há pequenas coisas que nos marcam e pequenos momentos nos quais sabemos que a nossa vida acabou de mudar. Não fazia ideia como, mas no momento em que ao regressar recebo uma mensagem dele a dizer "Para de te coçar :) " soube lá no fundo que algo em mim tinha acabado de mudar. Daí para a frente não parámos de trocar mensagens. E se no início ainda pensei, nah ele é só conversador e não há aqui nada, rapidamente estávamos a falar sobre tudo, incluindo sonhos. Ah, como tinha saudades de sonhar. Nos dias que se seguiram, poucas foram as noites que consegui dormir ao lado do L. Ficava no escritório e lá dormia. A verdade é que nesta fase dormir ao seu lado era um suplicio em que eu adormecia apenas por exaustão. O seu ressonar era tão alto e incomodativo, que já nem de tampões nos ouvidos me safava. Muitas vezes tinha q adormecer com musica bem alta, acordando com dores nos ouvidos devido aos phones. Quis o Universo, que poucos dias depois o L. fosse para Mértola em trabalho de campo e fiquei sozinha em casa até viajar para o congresso de Conservation Biology no Rwanda. Durante este tempo as nossas conversas continuaram e quando cheguei ao Rwanda já pouco falava com o L. (mas ele também nada dizia ou perguntava). As borboletas passaram a habitar o meu estômago, revia as conversas com o D. repetidamente, e estava sempre em pulgas por lhe contar ou saber novidades. Adormecia (ou não) a pensar nele e acordava a pensar nele. Acho que era oficial, eu estava apaixonada, mas, como sempre, sem certezas se os sentimentos seriam mútuos. Apesar de tudo, não nos conhecíamos. Fosse o que fosse, da minha imaginação ou não, íamos estar juntos pouco depois do Rwanda, e o que eu estava a sentir não era compatível com a continuação de um relacionamento com o L., nem com a compra conjunta de uma casa. Estava na hora de terminar. Já estava na hora há 14 anos atrás, mas a minha obsessão não me deixou. E encontrar as palavras e os motivos? Não consegui, chorei que nem uma perdida, ele não percebeu patavina do que se estava a pensar, e eu pouco soube explicar para além que queria terminar. A relação já estava morta há tanto tempo que a única coisa que faltava dizer era "nada disto faz sentido". Nós somos colegas que vivem juntos. Ficaram, claro, muitas coisas por dizer... mas eu já tinha passado a fase das acusações e do retaliamento. Essas fazemos quando queremos resolver problemas. Eu não queria resolver nada. Queria seguir em frente. Tudo isto nunca fez sentido... e se ainda existia foi porque eu sofri muito para que ainda existisse. Mas não queria mais. Não conseguia mais. E assim foi. O L. fez as malas nesse próprio dia e foi para casa dos pais. Voltou no dia seguinte e fomos almoçar. Queria conversar com mais calma e saber se havia alguém. Eu sabia lá se havia alguém...! Eu gostava de alguém, mas não havia nada e podia estar tudo na minha cabeça e nunca dar em nada. A resposta foi que não, mas devia ter sido um sim. Nunca pensei que as coisas pudessem acontecer tão rápido, não ao ponto de parecer que estava a terminar com ele para começar com o D. Não era nada disso. Claro que a Estrela e o meu entusiasmo ao conversar com ele foi o trigger de tudo isto, de finalmente perceber que a minha vida já não fazia sentido e que ainda conseguia encontrar alegria noutras coisas. Evitava estar com o L. tanto quanto possível, repudiava-me a ideia de termos filhos, e até o entusiasmo da casa nova tinha sido assassinado. O que tínhamos estava morto e mais que morto. E poderíamos viver na ilusão durante mais uns anos se eu não tivesse ido à Estrela, mas continuaríamos igualmente infelizes. A culpa não me largou durante largos meses (se é que algum dia me irá largar), mas não me arrependo de nada, a não ser, claro, de não o ter feito mais cedo. Mas diz que não somos perfeitos, nem eu, nem o L. E também tenho direito aos meus erros. Acho que mesmo assim aguentei muito, mesmo quando já não tinha motivos para o fazer. O que se seguiu é história e tudo o que posso dizer é que estou muito feliz e finalmente em paz e num ritmo potencialmente saudável, com um bom equilíbrio vida-trabalho. Eu e o L. continuamos a falar, embora por agora só de trabalho. Gostava que chegasse o dia em que falar do D. não fosse motivo de desconforto para nenhum dos dois. Mas algo me diz que esse dia vai demorar a chegar. Espero do fundo do coração que o Universo lhe sorria e que ele se apaixone por alguém da mesma forma, que o faça correr atrás (como nunca correu atrás de mim), e que seja correspondido.

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